A sessão de cinema mais louca da minha vida
Para comemorar o marco de mil inscritos, fiz uma enquete para saber qual seria o tema do vídeo. O tema que ganhou foi falar de algo pessoal em vez de uma análise de filme. Como este é um canal onde falo de cinema, que tal uma história que envolva cinema?
Vamulá. Já contei aqui sobre o Festival do Rio, que é um festival de cinema que acontece todos os anos, onde temos centenas de filmes ao longo de duas semanas. Mas, o que acontecia antes de existir o Festival do Rio? Vamos voltar um pouco na história.
Existia o FestRio. A última edição foi em 1987, heu tinha 16 anos, não acompanhei muito o FestRio – aliás, lembro de uma história que rolou nos corredores do Estação Botafogo, que não sei se foi verdade ou não, que o FestRio iria pra uma cidade do Nordeste, acho que Recife ou Fortaleza, o que não fazia o menor sentido. Com o fim do FestRio, o Estação Botafogo, que aquela época já ocupava um papel de protagonismo no cinema alternativo carioca, criou um festival nos mesmos moldes, a Mostra Banco Nacional, que durou de 1988 até 1998 (a partir de 99, a Mostra se juntou ao Rio Cine e virou o Festival do Rio que existe até hoje).
Assim como o Festival do Rio, a Mostra Banco Nacional era dividida em mostras temáticas. E na edição de 1994 teve uma mostra de filmes trash. E ainda teve o Roger Corman de convidado!
O Estação Botafogo tem 3 salas. A sala 1 é um cinema de tamanho “normal”, são 249 lugares. As outras duas salas são bem menores, 32 lugares na sala 2 e 66 na sala 3. A mostra trash era na sala 3, e, não me lembro por que, tinha ingressos mais baratos que o resto do festival. E heu ainda pagava meia entrada, heu era estudante da UFRJ na época!
Então, vamos ao dia onde passei 13 horas vendo filmes. Ok, não foram 13 horas direto, como o cinema era ao lado da minha casa, quando tinha um intervalo de 10 ou 15 minutos entre uma sessão e outra, dava pra dar um pulinho em casa. Sendo assim, me planejei pra ficar boa parte do dia no cinema.
O primeiro filme não era trash, era um filme da programação “normal”: Xeque Mate. Não me lembro absolutamente de nada deste filme, só me lembro que quis ver porque era o novo filme do Jim McBride, que tinha feito A Fera do Rock alguns anos antes, e também porque o horário era compatível com a maratona trash que viria a seguir.
Não me lembro exatamente quais eram os filmes depois. Achei pelo google uma lista da versão paulista da mostra, e não tenho certeza de quais eram os filmes que vi. Lembro de um Sinthia, a Boneca do Diabo, porque estava com um amigo e a gente tinha uma amiga chamada Cintia. E lembro que logo antes deste Sinthia, vimos Roger Corman passando pelo corredor, em direção à sala 1. (Hoje acho que heu iria ver o filme na sala 1 com a presença do Corman…)
Mas um dos pontos altos do evento começaria logo depois de Sinthia. Sabe The Rocky Horror Picture Show, que a galera faz sessões interativas, onde os espectadores interagem com o que acontece no filme? Pois bem, o filme seguinte era Papai Noel Conquista os Marcianos, um filme bobo, com uma trama absurda, onde o rei de Marte captura o Papai Noel. Mas, a pequena sala 3 do Estação Botafogo estava lotada, e TODOS os espectadores entraram na pilha de fazer troça do filme. Foi uma sessão divertidíssima, parecia que era um grupo de amigos de muitos anos, revendo o mesmo filme de sempre – mas não, ninguém se conhecia, só entramos na mesma pilha de galhofa.
A sessão foi tão marcante que, depois do filme, a organização da Mostra veio nos falar que o cara que trouxe os filmes trash tinha ficado impressionado e que nos ofereceria uma sessão dupla, de graça, depois da última sessão naquele dia!
Ainda teve um filme na programação oficial, não me lembro qual. Pode ter sido Carne e Sedução, pode ter sido Juventude Revoltada, pode ter sido A Caveira – achei esses nomes naquela lista paralela paulista. Mas, sinceramente, não me lembro.
O filme seguinte era o primeiro dos dois extras. Era um filme “inédito”, A Gangue das Garotas, de 1954. A história que contaram pra gente no dia foi que fizeram esse filme como uma peça educativa para alertar sobre o uso de heroína, mas, justamente porque mostrava pessoas se drogando, o filme teria sido proibido. Anos se passaram, acharam uma cópia, e estávamos vendo o “lançamento” de um filme feito 40 anos antes.
Mas o segundo ponto alto do evento estava por vir. Durante a exibição de A Gangue das Garotas, o projetor começou a dar um defeito e agarrava o filme. Quando começou o segundo filme extra, 2000 Maníacos, o projetor estava agarrando e o som ficou inaudível. O som fazia um “uóóóuóóóuóóó” o tempo todo, e ninguém conseguia entender o que estava sendo dito.
Para qualquer plateia normal, isso seria uma má notícia e a sessão seria cancelada. Mas, boa parte da plateia de Papai Noel Conquista os Marcianos estava presente. E todos continuavam no mesmo clima de galhofa. Ou seja, o “uóóóuóóóuóóó” era motivo de risos na plateia. Digo mais: em determinado momento, o som voltou ao normal, e a sala inteira, quase em uníssono, soltou um “ahnnn…” de lamento… E, pouco depois, o “uóóóuóóóuóóó” voltou, e todos comemoraram batendo palmas!
Por volta de 02h da madrugada a sessão acabou. Nada mal pra quem tinha chegado no cinema às 13h.