Adolescência

Crítica – Adolescência

Sinopse (imdb): Um garoto de 13 anos é acusado de assassinar uma colega de escola, levando a família, a terapeuta e o investigador do caso a se perguntarem o que realmente aconteceu.

Um amigo que sabe que curto plano sequência tinha me indicado essa série. Aí de repente ouvi várias pessoas comentando, mas não falavam sobre o lado técnico, e sim sobre o conteúdo da série. Resolvi encarar logo.

É uma série de quatro episódios, entre cinquenta e um minutos e uma hora e cinco minutos. E cada um deles é um grande plano sequência. Acompanhamos um garoto de treze anos que está sendo preso, acusado de um assassinato de uma menina da mesma idade.

(Tem gente por aí espalhando imagens de um suposto assassino real, mas os roteiristas garantiram que não se inspiraram em um caso específico. Cuidado com fake news!)

Vou começar pela parte técnica. Pra quem não sabe, um plano sequência é quando a câmera começa a gravar, e várias coisas acontecem sem nenhum corte. É uma tarefa complicada e desafiadora, porque exige que os atores saibam de cor todos os diálogos e marcações de cena, e também exige que a equipe técnica planeje bem os posicionamentos, pra ninguém “vazar” na câmera. Tudo exige uma complexa coreografia entre elenco e equipe, que tem que ser seguida até o final do plano – porque se alguém errar, tem que recomeçar tudo do zero. Claro que nos dias de hoje existem opções de se dividir o plano em planos menores e depois fazer emendas digitais (por exemplo, fazer um corte estratégico a cada dez minutos, tipo quando a câmera passa por alguma pessoa ou parede, e depois emendar como se fosse tudo um único take). Mas a produção de Adolescência afirmou que foi realmente um único, sem cortes. Será? Bem, pra mim isso pouco importa, também valorizo os planos sequência que têm cortes, não é fácil você planejar algo deste porte, mesmo com emendas.

O primeiro plano sequência mostra a prisão do garoto e sua entrada na delegacia; o segundo, traz os policiais pela escola tentando conseguir pistas; o terceiro, uma sessão entre o jovem acusado e uma psicóloga; o quarto, o dia a dia da família do garoto sem ele. Na minha humilde opinião, os mais impressionantes são o segundo e o terceiro. O segundo é o mais complexo, a câmera passeia por vários ambientes do colégio, e dezenas de personagens passam pela câmera. E ainda tem uma parte onde a câmera atravessa uma janela e outra parte onde a câmera voa, pendurada num drone. O terceiro é tecnicamente menos complexo, quase o tempo todo fica em um único ambiente, com apenas dois personagens. Mas por outro lado, exige muito mais dos atores, os diálogos são longos e cheios de diferentes camadas.

(Se posso fazer um mimimi, tem uma cena onde um aluno sai correndo e o policial corre atrás dele que me pareceu que ambos estavam correndo meio devagar. Não passou a impressão de uma corrida real. Mas, olhando isso em volta de tudo o que eles conseguiram nos quatro planos sequência, é uma reclamação bem besta.)

Segundo o imdb, cada episódio teve três semanas de produção, com a última semana sendo para filmagem. Assim, cinco dias eram para filmar o produto final, dois por dia. O episódio 1 foi concluído no segundo take; os outros três foram concluídos no último. Inicialmente, eles filmariam cada episódio na íntegra dez vezes, uma vez pela manhã e outra à tarde, ao longo dos cinco dias – mas na realidade algumas tentativas tiveram que ser abandonadas e reiniciadas, então alguns episódios tiveram muito mais do que dez tomadas.

Adolescência foi criada e escrita por Stephen Graham e Jack Thorne – Graham interpreta o pai (e me lembro dele em Snatch, do Guy Ritchie). A direção dos quatro episódios foi de Philip Barantini, diretor com um currículo pequeno – mas que certamente vou ficar de olho daqui pra frente. Ah, tem um tal de Brad Pitt na produção executiva – cargo que normalmente não está ligado a nada íntimo da produção.

O elenco todo está bem. Mas heu queria citar o garoto Owen Cooper, que faz o adolescente acusado do assassinato. É um garoto estreante, e ele está excelente! Digo mais: o primeiro episódio a ser filmado foi o terceiro, ou seja, aquela atuação que o jovem entrega na cena com a psicóloga era sua estreia num set de filmagens! Esse menino vai longe! Por causa de sua atuação, ele já está escalado para o novo filme de Emerald Fennell (Oscar de melhor roteiro em 2021 por Bela Vingança), pra trabalhar ao lado de Margot Robie e Jacob Elordi.

(Uma curiosidade: determinado momento da cena com a psicóloga, o garoto boceja. Isso não estava no script, ele estava realmente cansado. Mas a atriz que faz a psicóloga improvisou e, com naturalidade, perguntou se ela estava deixando ele entediado. Ele responde que não e dá um leve sorriso. Não era pra ser assim, mas ficou ainda melhor do que o previsto!)

Até agora só falei da parte técnica, mas Adolescência também chama a atenção pelo lado comportamental, porque aborda a dificuldade dos pais de entenderem o universo dos adolescentes de hoje em dia, além de entrar em temas como incels e red pills. Ou seja, vai ter um monte de vídeos e textos analisando a parte sociológica. Mas como não entendo muito dessa parte, vou deixar meu texto mais focado na parte cinematográfica.

O fato de serem planos sequência traz algumas características que nem sempre são positivas. Um exemplo: no primeiro episódio, quando o garoto é levado para a delegacia, determinado momento ele precisa tirar a roupa pra ser revistado. Numa narrativa convencional, haveria um corte e a história seguiria. Aqui a câmera foca no pai enquanto a gente ouve o que está acontecendo com o garoto, durante todo o desconfortável tempo da revista (a propósito, grande atuação do pai!)

Mas, pra mim, o pior não foi isso. Não gostei da conclusão da série, porque algumas dúvidas são levantadas no segundo e terceiro episódio, e essas dúvidas não são concluídas. A gente segue o plano sequência com a família, e o estilo de narrativa escolhido não tem espaço pra voltar para aquelas dúvidas. Afinal, o objetivo da série não é investigar o assassinato em si, e sim algo mais profundo e complexo que é a relação familiar e todo o contexto que abrange. Faz seus pais questionarem onde erraram e junto com o detetive, tentar compreender o que motivou tamanha violência cometida pelo filho. Como tudo isso pode gerar tantas camadas e afetar completamente toda a família.

Mas confesso que heu estava esperando uma conclusão sobre as pontas soltas. Ou seja, na minha humilde opinião, o quarto episódio mantém a excelência técnica, mas falha na narrativa. Resumindo: quem estiver esperando por grandes revelações ao final da trama vai se decepcionar. O foco principal da série não é esse.

Mesmo assim, recomendo Adolescência. Tecnicamente impecável, atuações incríveis, além de abordar um tema muito atual. Está em cartaz na Netflix.