Arca de Noé

Crítica – Arca de Noé

Sinopse (imdb): Tom e Vini são dois ratinhos boêmios que embarcam na Arca de Noé de forma clandestina. Eles precisam usar seus talentos musicais para participar de um concurso e ajudar a manter a paz entre os animais.

Talvez um pouco atrasado, mas finalmente adaptaram os discos Arca de Noé, baseados na obra de Vinicius de Moraes!

Antes de falar do desenho, vamos a uma breve contextualização, afinal esses discos são tão antigos que já existe uma geração de adultos que não os conhece. Em 1980 foi lançado um disco infantil chamado Arca de Noé, baseado num livro de Vinícius de Moraes. Apesar do nome citar algo bíblico, na verdade o vinil trazia músicas infantis, a maioria relacionadas a bichos (mas tinham outras músicas que não tinham nada a ver com animais). Teve um segundo disco lançado em 81 ou 82, e os dois discos fizeram muito sucesso, tanto que músicas como “Lá vem o pato pataqui patacolá” entraram no cancioneiro popular infantil.

(Me falaram que teve uma coletiva onde jornalistas teriam perguntado como é adaptar uma história bíblica. Galera, façam seu dever de casa antes da entrevista!)

Comentei no início do texto que esse desenho está atrasado. Digo isso porque a minha geração foi marcada por essas canções. Mas, já se passaram 44 anos! Meus filhos já não têm mais idade pra curtir! Se a animação fosse feita 30 anos depois, acho que pegaria o público certo: os filhos das pessoas que cresceram ouvindo esses vinis. Só pra dar um exemplo: depois da sessão de imprensa, conversei com dois amigos críticos, mais novos, que sabiam pouco sobre esses discos.

Enfim, vamos ao filme. Dirigido por Alois Di Leo e Sergio Machado, Arca de Noé é a adaptação da obra de Vinícius de Moraes – li em algum lugar que seria uma adaptação do livro, mas me parece que o filme todo se baseia nas músicas. Temos novas versões de músicas conhecidas como O Pato (que antes foi gravada por MPB4), A Casa (Boca Livre), O Leão (Fagner), A Galinha D’Angola (Ney Matogrosso) e O Relógio (Walter Franco), dentre outras. Algumas foram adaptadas, como São Francisco, que virou instrumental (porque não tem como encaixar a letra neste roteiro); ou Os Bichinhos e o Homem, onde cortaram o trecho da música que fala sobre a morte: “E o homem que pensa tudo saber / Não sabe o jantar que os bichinhos vão ter / Quando o seu dia chegar”. E, claro, não tem músicas que hoje em dia seriam “canceladas”, como O Porquinho (que fala de variadas maneiras de se comer carne de porco) e Aula de Piano (que mostra uma relação muito errada entre um professor de piano e uma menininha). (Curioso que aparece um peru pegando uma partitura pro concurso, mas não toca a música O Peru, que no disco foi interpretada por Elba Ramalho).

A parte musical é muito boa, e estendo o elogio pra parte técnica (a animação não vai fazer feio frente aos grande estúdios como Disney, Pixar e Dreamworks), e também para o elenco, cheio de nomes importantes, mas vou focar nos principais. Rodrigo Santoro, Marcelo Adnet e Alice Braga fazem os ratinhos protagonistas, e Lázaro Ramos faz um leão bem divertido. E também queria destacar Gregório Duvivier, engraçadíssimo como a barata. Ah, Seu Jorge faz a voz de Deus, só em uma cena, mas também ficou bem engraçado. Também no elenco, Bruno Gagliasso, Giovanna Ewbank, Eduardo Sterblitch e Marcelo Serrado, entre outros.

(Curiosidade que li nos créditos: Rodrigo Santoro e Marcelo Adnet cantam as músicas dos seus personagens, mas Alice Braga não canta. Vi que Mariana de Moraes (neta do Vinícius) cantou no lugar dela. Mas isso foi o que li nos créditos subindo rapidamente, ainda não tenho mais informações sobre isso).

Se a parte técnica e a parte musical são muito boas, por outro lado o roteiro dá suas escorregadas. A competição musical demora muito a acontecer, e o filme enrola em algumas coisas sem graça, tipo a sidequest da baleia (nem tem música de baleia pra justificar!). E ainda tem umas piadas de “tio do pavê” que fiquei na dúvida se funcionaram ou não. Por sorte, o filme é curto (pouco mais de uma hora e meia) e esses problemas quase são apagados pela riqueza da trilha sonora.

A previsão de estreia é essa semana. Boa opção para levar os pequenos!

Ainda Estou Aqui

Crítica – Ainda Estou Aqui

Sinopse (imdb): Baseado no livro de memórias best-seller de Marcelo Rubens Paiva, no qual sua mãe é forçada a se tornar ativista quando seu marido é capturado pelo regime militar no Brasil, em 1971.

E vamos para as reais chances de Oscar para o Brasil!

Ainda Estou Aqui é o novo filme de Walter Salles (Central do Brasil), que não lançava um longa desde 2012. O filme é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, e conta a história real de uma família no Rio de Janeiro do início dos anos 70. Marcelo vive com seus pais e suas 4 irmãs em uma boa casa, na Vieira Souto, na praia de Ipanema. Até que seu pai, Rubens Paiva, é levado por agentes do regime militar. E nunca mais volta.

Ainda Estou Aqui está badalado para o Oscar, e realmente está um degrau acima da média da produção nacional. Começo pela parte técnica: nunca vi no cinema nacional um cgi de reconstituição de época tão perfeito. A começar pela casa onde mora a família – não existem casas residenciais na Vieira Souto! Provavelmente filmaram em uma casa em outro endereço e colocaram a casa lá. E não é só isso, vemos várias cenas nas ruas, onde vemos carros, pessoas e prédios dos anos 70. E tudo, absolutamente tudo está perfeito. Mostrar uma praia não é uma tarefa tão difícil, mas quando vemos o morro Dois Irmãos sem a favela do Vidigal, a gente leva um susto. Sério, o cgi aqui não deve nada pra super produções gringas.

Mas, mais importante que isso, precisamos falar das atuações. Queria rapidamente citar que Selton Mello não está com “cara de Selton Mello” – gosto do ator, mas ele meio que criou um personagem e repete esse mesmo personagem em diversos filmes (vários atores são assim, Christoph Waltz ganhou dois Oscars por papéis quase iguais). Mas, o nome a ser citado é Fernanda Torres, que está simplesmente sensacional. Caros leitores, anotem isso, estou falando em outubro: Fernanda Torres tem uma chance grande de ser indicada ao Oscar ano que vem, 26 anos depois da sua mãe Fernanda Montenegro (coincidência ou não, também dirigida por Walter Salles). Ah, Fernanda Montenegro aparece no final do filme, em uma cena onde ela interpreta a personagem da filha num futuro onde ela está bem mais velha.

Quase o filme todo se passa nos anos 70. No fim tem um trecho em 1996 e uma cena final em 2004. Na minha humilde opinião, o filme perde a força nesses dois “epílogos”. Não chega a estragar o resultado final, mas acho que Ainda Estou Aqui seria ainda melhor se acabasse no momento que a família deixa a casa, o resto da história podia ser uma cartela com um texto antes dos créditos.

Por fim, e o Oscar? Bem, até onde sei, cada país pode mandar um filme para a categoria “filme internacional” (que era “filme em língua estrangeira” até poucos anos atrás). Escolhem uma pré lista com 9 filmes, que depois é reduzida à lista oficial de 5 candidatos. Mas, a gente sabe que a qualidade do filme não é tudo quando se fala em Oscar. O lobby é algo muito importante. E aparentemente esta vez estão com um lobby forte pra tentar indicar o filme brasileiro. Um boato que ouvi entre amigos críticos é que querem tentar indicar Ainda Estou Aqui para o Oscar principal – nos últimos dois anos, o vencedor do prêmio de filme estrangeiro também estava indicado ao Oscar de melhor filme (Zona de Interesse em 2024, Nada de Novo no Front em 2023). Também é ventilada uma indicação ao Oscar de melhor atriz para Fernanda Torres, o que já estão falando como se fosse uma “reparação ao erro de não ter dado o Oscar para Fernanda Montenegro” (o que talvez seja um exagero, mas tem um fundo de verdade).

Enfim, aguardemos. Mas estou na torcida!

Abraço de Mãe

Crítica – Abraço de Mãe

Sinopse (imdb): Durante uma grande tempestade no Rio de Janeiro em 1996, a bombeira Ana e sua equipe de bombeiros precisam evacuar uma casa de repouso em colapso, mas os misteriosos residentes têm outros planos sinistros.

Ih, olha lá, tem terror nacional novo na Netflix!

Quando li sobre Abraço de Mãe, achei que era um filme argentino, porque o diretor Cristian Ponce é argentino. Mas não, é uma produção brasileira. Legal!

Abraço de Mãe traz a história de Ana. Depois de um prólogo nos anos 70 que explica seu trauma de infância, vemos Ana trabalhando no corpo de bombeiros, na época de uma grande chuva no Rio de Janeiro, em 1996.

(Curioso que pelo filme, o Rio de Janeiro teria tido uma traumática tempestade em 1996. Morei quase minha vida inteira no Rio, já vivi grandes chuvas em diversos anos, não me lembro de 96 ter sido pior…)

Tecnicamente, Abraço de Mãe é muito bom. Bom elenco, bons cenários, boa reconstituição de época, efeitos especiais simples e eficientes. O melhor aqui é o clima de mistério que rola naquele asilo onde boa parte do filme se passa. Excelente uso da locação. Outro ponto a ser elogiado é o elenco. Principalmente a protagonista Marjorie Estiano. Sou fã dela pela série Sob Pressão, e aqui ela dá um show.

Mas… O clima é muito bom, a trama é envolvente e está andando num bom ritmo, mas o final aberto demais me incomodou. Preciso falar do final. Segue um aviso de spoilers:

SPOILERS!

Na minha humilde opinião, o final do filme é decepcionante. Abraço de Mãe levanta algumas coisas legais e instigantes, mas não desenvolve nada. Vemos que existe um monstro ou criatura, vemos garras e tentáculos, mas não sabemos o que é a criatura, se é algo sobrenatural ou alienígena ou sei lá o que poderia ser. Vemos que pessoas estavam esperando uma grande tempestade pra fazer um culto ou algo parecido, mas não sabemos o que seria aquilo. A filha do argentino estava sendo preparada, mas não sabemos para que.

Não acho que um filme precisa explicar todos os detalhes, mas levantar ideias boas e não desenvolvê-las me pareceu um desperdício. Sempre defendo filmes curtos, mas neste caso em particular, acho que seria melhor ver mais 10 minutos mostrando mais cenas sobre esses elementos misteriosos.

FIM DOS SPOILERS!

Mesmo decepcionado com o final, ainda acho que Abraço de Mãe foi uma boa experiência. Que vejamos mais terror nacional na Netflix!

Biônicos

Crítica – Biônicos

Sinopse (imdb): Em um futuro distópico em que as próteses robóticas dominam os esportes, duas irmãs competem no salto em distância. Só que essa rivalidade leva a um caminho sinistro.

Opa, ficção científica feita no Brasil!

Biônicos é o novo filme de Afonso Poyart. Poyart é um cara que merece o meu respeito, em 2012 ele fez 2 Coelhos, um dos melhores filmes nacionais que heu já vi. Três anos depois ele dirigiu Anthony Hopkins e Colin Farrell em Presságios de um Crime, e lembro de ter ido numa sessão no Roxy com presença do próprio Poyart. No ano seguinte, 2016, Poyart dirigiu Mais Forte Que o Mundo, contando a história do lutador José Aldo, outro filmão. Só por esses três títulos, Poyart já merece espaço no hall de melhores diretores brasileiros.

De lá pra cá, Poyart deu uma sumida. Vi no imdb que ele fez coisas pra TV. Até que estreou este Biônicos no streaming, anunciado como “o filme nacional mais caro da Netflix”. E apareceram alguns canais de youtube falando mal do filme. Realmente, Biônicos chama a atenção por ser extremamente bem feito. Mas por outro lado, o roteiro deixa a desejar. Vamulá.

O filme se passa num futuro próximo onde atletas amputados usam próteses biônicas que os deixam melhores que os atletas “normais”, a ponto de ter atletas que querem se amputar como uma espécie de “doping tecnológico”. Mas algumas coisas não fazem muito sentido, tipo um amputado tem direito a próteses, mas é acusado criminalmente se for responsável pela própria amputação. E isso acaba gerando uma das coisas mais forçadas do filme: a protagonista quer uma perna biônica, então ela força um acidente onde ela está de moto e um carro bate violentamente nela. Caramba! Como é que alguém vai conseguir controlar um acidente desses pra ser só um ferimento na perna? Ela podia ter morrido!

Agora, pra mim, o pior do roteiro é a personagem Maria, justamente a protagonista. Ela é antipática e invejosa. Sua irmã mais nova era uma atleta pcd, e sempre chegava em segundo lugar quando as duas competiam – por motivos óbvios. Quando surgiram as próteses biônicas, a irmã mais nova passou a chegar em primeiro lugar, e a protagonista nunca aceitou isso. E, pra piorar, a irmã mais nova é simpática e está sempre tratando bem a irmã. Acho que escolheram a protagonista errada.

O roteiro ainda tem mais alguns problemas aqui e ali, tipo um vilão caricato que tem atitudes sem sentido (além de um envolvimento romântico muito forçado com a protagonista), ou provas paralímpicas que mais parecem um videogame. Mas são problemas comuns de filmes desse  estilo, nada muito grave.

Agora, o visual é digno de ser um marco do cinema nacional. Não só toda a ambientação em um futuro meio cyberpunk, com figurinos e props que parecem coerentes com a proposta do filme (ficção científica nacional a gente pensa em figurinos com cara de Castelo Rá Tim Bum), como o cgi das próteses biônicas é muito bom! Essa parte ficou realmente muito bem feita!

(Só reclamo do cgi de um personagem que aparece na cena final, que parece uma cópia tosca do Ciborgue da Liga da Justiça. Aquele ficou com cara de novela do SBT.)

Além disso, tem algumas cenas muito boas. Lembro pouco de 2 Coelhos (não sei onde posso revê-lo, e não tenho o dvd!), mas lembro que tinha uma câmera lenta muito bem executada. Em tempos de Rebel Moon com câmera lenta mal aproveitada, Poyart mostra que ainda sabe usar o efeito. Tem uma cena onde chutam uma mesa que é daquelas pra guardar a cena e rever de vez em quando!

Tive um problema com o final. Como é na conclusão do filme, vou colocar avisos de spoilers.

SPOILERS!
SPOILERS!
SPOILERS!

Na parte final aparece o grande vilão, interpretado por Miguel Falabella. Aí, na cena final, pelo que heu entendi, os irmãos se unem ao vilão. Péra, no fim do filme eles viram “do mal”? Heu entendi direito???

FIM DOS SPOILERS!

Mesmo com os problemas, gostei de ver uma ficção científica brasileira tecnicamente bem feita. Só espero que em uma próxima vez caprichem um pouco mais no roteiro.

Grande Sertão

Crítica – Grande Sertão

Sinopse (imdb): Em uma grande comunidade da periferia brasileira chamada “Grande Sertão”, onde uma luta entre policiais e bandidos assume ares de guerra, Riobaldo entra para o crime por amor a Diadorim, mas nunca tem a coragem de revelar sua paixão.

Heu sempre gosto de defender o cinema nacional. Mas às vezes isso é uma tarefa difícil.

Grande Sertão tem seus méritos, mas tem dois problemas bem complicados. O primeiro é que adaptaram o visual da história e trouxeram para os dias de hoje, mas o texto continua fiel ao original de Guimarães Rosa. Ou seja, os diálogos são rebuscados, parecendo um teatro. Pior, um teatro amador. Todos os diálogos são extremamente artificiais. Entendo a opção da produção de querer usar o texto original, mas, pelo menos pra mim, não funcionou.

(Me lembrei do Romeu + Julieta, de 1995, dirigido por Baz Luhrmann e estrelado por Leonardo DiCaprio e Claire Danes. Era um filme com visual contemporâneo mas com os diálogos em inglês shakespeariano. Mas, talvez por inglês não ser a minha língua nativa, não me lembro de ter ficado tão incomodado com aquela versão.)

E esse problema tem um agravante. Além das cenas normais, o filme tem uma narração, feita por Riobaldo, o personagem principal, mais velho (ele está de barba e cabelos grandes, com um visual diferente do resto do filme). Riobaldo faz uma narração que parece um monólogo teatral. Na minha humilde opinião, todas as cenas com a narração do Riobaldo poderiam ser cortadas do filme. Ficou artificial e arrastado, e ainda reforçou o ar de peça de teatro mal adaptada.

O outro problema é na caracterização do personagem Diadorim. Na história original, Diadorim nasceu mulher, mas se porta como homem para fazer parte do bando de Joca Ramiro (spoiler!). O problema é que Diadorim, interpretado por Luisa Arraes, se porta como mulher, se veste como mulher, tem um corte de cabelo feminino, em nenhum momento se parece com um homem. Diadorim parece um personagem da Michelle Rodriguez, ou da Ronda Rousey, ou da Gina Carano, ou da Ruby Rose, mulheres “porradeiras”, mas mesmo assim, mulheres.

Houve uma adaptação feita pela Globo em 1985 onde Bruna Lombardi interpretou Diadorim. Não vi ou não me lembro de ter visto, mas amigos críticos disseram que Bruna conseguiu criar um personagem que enganava. Aqui, Luisa Arraes não engana ninguém!

E assim como o outro problema, este também tem um “segundo degrau”. Sec XXI, 2024, fica estranho uma história que se passa nos dias de hoje com um protagonista assumidamente homofóbico. Se fosse uma história de época, dois jagunços, no meio do sertão, décadas atrás, era mais fácil de aceitar. Mas hoje, numa cidade grande? Ver uma mulher masculinizada trabalhando no meio de homens não espanta mais ninguém. Já que adaptaram o visual, trazendo do sertão pra uma favela, podiam ter adaptado o dilema moral de Diadorim.

Pena, porque tecnicamente falando, Grande Sertão é muito bem feito. A direção é de Guel Arraes, que tem um grande currículo, não só na TV (o cara estava em Armação Ilimitada e TV Pirata, nos anos 80!), como também no cinema (Arraes dirigiu O Auto da Compadecida, de 2000, um dos filmes nacionais mais populares de todos os tempos). Grande Sertão tem algumas cenas muito bem filmadas. Tem duas sequências, não sei se foram planos sequência, mas são planos longos, uma com Diadorim num corredor enfrentando vários policiais em movimentos que parecem um balé, na outra a câmera passeia entre Riobaldo, Diadorim e Zé Bebelo no meio de um grande tiroteio. Algumas das cenas de briga e de tiros também funcionam bem, o cinema nacional costuma ser deficiente nesse aspecto, e Grande Sertão não decepciona. O elenco também é bom: Caio Blat, Luisa Arraes, Rodrigo Lombardi, Luis Miranda, Eduardo Sterblitch, Luellem de Castro.

Pena, a boa parte técnica e o bom elenco não foram o suficiente, pelo menos pra mim. Porque os diálogos rebuscados e as atuações caricatas me tiravam da experiência cinematográfica, e Diadorim não engana ninguém. Grande decepção.

Meu Sangue Ferve Por Você

Crítica – Meu Sangue Ferve Por Você

Sinopse (imdb): Em 1979, Magal, um dos artistas mais populares do Brasil, conhece a deslumbrante Magali e se apaixona. Para conquistá-la, ele precisará vencer a resistência do empresário, além da desconfiança da família, dos amigos e da própria amada.

Antes de tudo, preciso falar que não curto as músicas do Sidney Magal. Nada contra, mas não é o meu estilo. Só conheço duas, uma delas conheço porque toco numa banda de karaokê; a outra só conheço o refrão. Mas, nada contra ver um filme sobre o cara.

Dirigido por Paulo Machline, Meu Sangue Ferve Por Você tem duas coisas que o tiram do lugar comum. Uma delas é um formato que é um musical, mas ao mesmo tempo não é um musical. Explico: não é um musical clássico daqueles que o roteiro usa diálogos cantados. Mas por outro lado, o filme tem vários números musicais com coreografias, usando as músicas do Sidney Magal. Ou seja, tem elementos de um musical, mas não é exatamente um.

A outra coisa é que não é uma “biografia do Sidney Magal”. Antes de começar o filme, aparece na tela que esta e uma “fabula magalesca”. Ou seja, o filme não tem nenhuma obrigação de ser fiel à realidade. Sabe quando vemos uma cinebiografia e ficamos na dúvida se aquilo realmente aconteceu? Bem, aqui, aquilo não necessariamente aconteceu, o filme já avisa logo de cara.

Digo mais: o filme não fala sobre a carreira do Sidney Magal, e sim sobre o relacionamento do casal Magal e Magali (que segundo o texto pós filme, realmente se conheceram em 1979, se casaram e estão juntos até hoje). Não sabemos como foi o início da carreira de Magal, e qual foi sua trajetória até o sucesso. O filme só mostra o recorte de como o casal se conheceu e ficou junto.

No elenco, Filipe Bragança manda bem como Sidney Magal. Li na wikipedia que ele é mais conhecido por ter feito Chiquititas, mas me lembro dele em Dom. Giovana Cordeiro faz a Magali (que, se bobear, tem mais tempo de tela que o próprio Magal). Também no elenco, Caco Ciocler, Emanuelle Araújo e Sidney Santiago.

Por fim, tem uma cena no meio dos créditos, onde a Emanuelle Araújo, que interpreta a mãe da Magali, canta “Meu Sangue Ferve por Você” em versão piano e voz. Ok, mas… Pra que essa cena? Ela não se conecta com nada no filme! O que ficou parecendo é que, como Emanuelle é cantora, quiseram colocá-la pra cantar uma música, mas não combinava com a personagem, então improvisaram algo pros créditos. Não ficou ruim, mas ficou esquisito.

Aumenta que É Rock’n’roll

Crítica – Aumenta que É Rock’n’roll

Sinopse (imdb): O filme acompanha a história da Rádio Fluminense, primeira rádio rock’n’roll FM do Brasil no início dos anos 1980. Criada por Luis Antonio Mello, a rádio fez história e conquistou muitos ouvintes desde sua criação em 1982.

Vamos a mais um dos filmes da minha lista de expectativas pra 2024!

Antes, uma contextualização pra galera mais nova: a rádio Fluminense foi muito importante para o rock nacional dos anos 80. Era a única rádio rock do Rio de Janeiro, e várias bandas mandavam fitas demo pra lá, antes de terem discos lançados por gravadoras. Bandas então iniciantes, mas que virariam nomes gigantes, como Paralamas do Sucesso e Legião Urbana. A rádio sempre foi alternativa, sempre foi “pequena”, mas foi fundamental para o início daquele que foi um dos maiores movimentos da música brasileira.

Dirigido por Tomas Portella (Isolados, Operações Especiais), Aumenta que é Rock’n’roll conta a história da rádio Fluminense, também chamada de “Maldita”, uma pequena rádio de Niterói que foi muito importante para o rock brasileiro dos anos 80. O filme e baseado no livro “A Onda Maldita”, escrito por Luis Antonio Mello – li o livro na época da faculdade, anos 90, mas não me lembro de quase nada.

Aumenta que é Rock’n’roll é quase uma cinebiografia de Luis Antonio Mello, o criador da rádio. Depois de um prólogo meio desnecessário mostrando o protagonista adolescente, o filme pula pra 1982, época que Luis Antonio criou o projeto de uma rádio com uma proposta diferente e acabou ganhando carta branca em uma antiga rádio caindo aos pedaços. O filme segue até o Rock in Rio, em janeiro de 1985.

Aparecem algumas “participações especiais”. Tem uma cena onde vemos o Cazuza – ele não fala o nome, mas fica claro. Evandro Mesquita é um vulto, de longe, mas reconhecemos a voz (desconfio que a voz seja do próprio Evandro). E temos atores interpretando os Paralamas do Sucesso e a Legião Urbana. Só não entendi por que não citam o Celso Blues Boy, já que sua música aparece duas vezes e dá título ao filme.

Aumenta que é Rock’n’roll é leve e divertido, e tem algumas sequências muito boas, como a promoção das formigas (que realmente aconteceu). A relação entre os dois personagens principais, interpretados por Johnny Massaro e Marina Provenzzano, também é bem construída, assim como a boa reconstituição de época. A trilha sonora, tanto nacional quanto internacional, também é boa. Mas… Quero fazer dois mimimis. Entendo a opção da produção do filme, mas preciso deixar o meu mimimi registrado.

O primeiro é sobre várias liberdades históricas tomadas ao longo do filme, como por exemplo mostrar que já tinha uma fita demo da Legião Urbana na gaveta no dia que ouviram pela primeira vez Você Não Soube me Amar, da Blitz (música que foi lançada num compacto em julho de 1982, enquanto a Legião Urbana começou em agosto); ou a inclusão, na trilha sonora, de músicas lançadas depois do período histórico retratado no filme (como Homem Primata, dos Titãs, que foi lançada em 1986, ou Que que País é Esse, da Legião, lançada em 87, ou uma breve aparição da Plebe Rude, que só lançou disco em 86). Mas, entendo a opção de colocar músicas famosas na trilha, o resultado, apesar de incorreto, ficou empolgante.

(Ainda tem os shows do Rock in Rio na ordem errada. A Blitz não tocou antes do Barão Vermelho em nenhum dos dias!)

O segundo mimimi é mais mimimi que o primeiro, mas esse não perdoo. Vemos a Legião Urbana tocando em um show. Por duas vezes a câmera dá um close no baterista e o que ele está fazendo é completamente diferente do que estamos ouvindo! Entendo alterar algumas datas para o filme fluir melhor, mas, músico tocando fora de sincronia é mais difícil de aceitar.

Mimimis à parte, gostei muito do resultado final. A gente sai do cinema empolgado! Ouvi uma pessoa dizendo que “a gente sai do cinema com vontade de ouvir rock”. Mas, ué, todos os dias tenho vontade de ouvir rock…

Jorge da Capadócia

Crítica – Jorge da Capadócia

Sinopse (Paris Filmes): Em 303 D. C., após ter vencido mais uma grande batalha, Jorge é condecorado como novo capitão do exército, quando o Imperador Diocleciano inicia sua última grande perseguição aos cristãos no império romano. Diante das cruéis ordenações impostas ao povo e a pressão para que se rendam aos deuses cultuados no império, Jorge, um homem acima de tudo, agora se vê diante de seu maior desafio ser fiel à sua fé e as suas convicções ou sucumbir às ordens do imperador Diocleciano.

E vamos para mais um filme nacional de gênero! Um épico bíblico contando a história de Jorge, soldado romano que se insurgiu contra o imperador, e que depois virou um dos santos mais populares – pelo menos aqui no Rio, onde vemos estátuas de São Jorge num cavalo derrotando um dragão em vários lugares.

Pena que, desta vez, infelizmente, a qualidade deixa a desejar.

Jorge da Capadócia foi produzido, dirigido e estrelado por Alexandre Machafer. Na parte da produção, Machafer mandou bem, Jorge da Capadócia tem figurinos bem cuidados e foi filmado em locações na Turquia (onde fica a Capadócia), e ainda tem um imponente dragão em cgi. Mas, as atuações são péssimas!

Nenhum dos atores parece estar atuando. Todos estão declamando textos, passa a impressão de que estamos vendo um teatro de escola. Essas atuações robóticas não me deixaram “entrar” no filme. A princípio achei que poderiam ser atores ruins, mas, como todo o elenco age assim, acredito que foi uma escolha da direção de atores. Na minha humilde opinião, uma escolha errada.

Além disso, rolam alguns defeitos técnicos meio feios. Só pra dar um exemplo: em uma das cenas onde Jorge está sendo torturado, quando mostra seu rosto, a imagem sai de foco e logo volta. Isso é comum em câmeras de foco automático, o foco sai e volta. Em primeiro lugar, uma produção destas não deveria usar foco automático. Mas, se saiu do foco, deveriam refazer a cena. Mas, vamos dizer que não dava pra refilmar, ora, era só consertar na edição: corta o trecho antes da perda do foco, como a tortura tinha acabado, ele poderia “voltar ao foco”.

Sobre o dragão, não é um cgi perfeito, parece um dragão de temporadas antigas de Game Of Thrones. Me parece que esse cgi vai vencer muito em breve. Mas, isso não me incomodou, visualmente, o dragão serve para o seu propósito. O que me incomodou foi outra coisa, mas talvez seja spoiler.

SPOILERS!

Não sou religioso, não conheço detalhes sobre a lenda de São Jorge. O que entendi pelo filme é que o dragão simboliza o Império Romano. Jorge se insurgiu contra o Império, e o dragão mostraria sua luta desigual. Mas, no fim do filme, Jorge se rende e morre. O Império Romano vence. Ora, se o dragão simboliza o Império, na verdade ele deveria ser derrotado por ele…

FIM DOS SPOILERS!

Mesmo com os problemas, mantenho o que sempre digo aqui: o cinema nacional precisa de filmes assim para se desenvolver. Que venham outros! E, de preferência, melhor atuados!

Uma Família Feliz

Crítica – Uma família feliz

Sinopse (imdb): Em um condomínio fechado no Rio de Janeiro, uma mãe é duramente acusada de machucar as filhas gêmeas e o bebê recém-nascido. No entanto, a verdade por trás das cercas pode revelar uma crueldade inesperada.

Olha que legal, semana passada falei de Evidências do Amor, uma comédia romântica nacional. E hoje é dia de falar de Uma Família Feliz, um suspense nacional. Dois filmes nacionais de gênero!

Escrito por Rafael Montes (Bom Dia Verônica) e dirigido por José Eduardo Belmonte (Carcereiros), Uma Família Feliz começa muito bem, somos jogados no meio de uma sequência tensa, onde não entendemos o que está acontecendo, e depois a linha temporal volta e a história realmente começa.

Conhecemos o casal Vicente e Eva. Vicente tem duas filhas do primeiro casamento, e Eva está grávida. Ricos e bonitos, aparentemente é a perfeita “família de comercial de margarina”. Mas, pouco depois, as crianças e o bebê começam a aparecer com machucados, e não sabemos quem é o responsável por isso. Eva está passando por depressão pós parto, e claro que todos começam a desconfiar dela.

Tem um detalhe que ajuda o clima a ficar esquisito: Eva trabalha fazendo bonecas realistas. São umas bonecas assustadoras!

Uma coisa curiosa e bem atual é que Eva é “julgada e condenada” pelos amigos e vizinhos, e sofre uma espécie de “cancelamento”, mesmo sem a gente saber se ela é culpada ou não.

Tecnicamente falando, o filme é muito bem feito. Os dois atores principais, Reynaldo Gianecchini e Grazi Massafera, estão muito bem – principalmente Grazi, que tem mais tempo de tela. O clima de suspense é bem construído. Mas… Achei o filme longo demais. Tem uma hora que cansa. Ok, já entendemos, podemos seguir em frente?

Não vou entrar em spoilers, mas não gostei do final. A sequência é bem filmada, bem conduzida, mas não entendi a motivação do personagem para agir daquele jeito. Mesmo assim, ainda recomendo o filme. Sempre defendo filme de gênero nacional!

Evidências do Amor

Crítica – Evidências do Amor

Sinopse (imdb): Marco e Laura se conhecem em um karaokê e cantam juntos “Evidências”. Desde então, eles se apaixonam e formam um casal que parecia perfeito, até o destino ter outros planos.

Uma comédia nacional, baseada numa música sertaneja / brega, estrelada pela Sandy. E sim, é um dos melhores filmes que vi no cinema nas últimas semanas!

Vamos por partes. Primeiro queria falar da minha relação com a música Evidências. Vi na wikipedia que a música é de 1990, e fez muito sucesso em 90 e 91. Estranho, nessa época heu estava entrando na UFRJ, heu frequentava várias festas universitárias, heu deveria conhecer a música. Mas, não. Não tenhi nenhuma recordação de ter ouvido. Até que, já na década de 2010, minha banda Perdidos na Selva ia tocar num casamento, e os noivos pediram Evidências. Achei estranho, um show de rock nacional alguém pedir Chitãozinho e Xororó, mas achei que o casal poderia ter alguma história com a música. Fui estudar, a música é boa, tem acorde sus, diminuto, quinta aumentada, é uma música gostosa de tocar. No show, o salão inteiro perdeu a linha na hora da música. Fiquei impressionado, “como assim todos conhecem essa música que heu nunca tinha ouvido falar?”. É, heu estava realmente por fora.

Anos depois, entrei pra banda de karaokê da Érika Martins, o Chuveiro in Concert. E posso afirmar: temos um repertório com 70 músicas, e a única música que toquei em TODOS os shows é Evidências. E sempre a galera perde a linha. Não sei qual é o feitiço que existe nessa música, mas é real. Evidências altera o comportamento das pessoas!

Agora vamos ao filme. Mas, antes, queria repetir um parágrafo que escrevi no texto sobre O Sequestro do Voo 375, que se encaixa perfeitamente aqui: “o cinema nacional é composto, basicamente, de dois tipos de filme: a comédia besta com cara de Globo Filmes, e o filme hermético feito para passar em festivais. E heu não falo mal de nenhum dos dois tipos de filme. Porque a comédia é besta, mas muita gente curte e muita gente vai ao cinema por causa disso, e heu sempre defendi um filme que leva público para o cinema. Por outro lado, o filme hermético leva o cinema nacional para festivais importantes como Cannes e Veneza. Defendo que existam esses tipos de filme. O que não defendo é que quase todos os filmes lançados no circuito sejam desses dois tipos. Heu acho que a gente deveria ter vários estilos de filmes, como ação, terror, suspense, ficção científica, aventura…”

Sim, Evidências do Amor é comédia. Mas não é “comédia de bordão”, não tem cara de Globo Filmes. Parece mais uma cópia das comédias românticas hollywoodianas. Sim, não é original, mas é diferente do “de sempre”. Então, acho que podemos classificá-lo como “filme de gênero”.

A proposta lembra Eduardo e Mônica, outra comédia romântica brasileira baseada em uma música muito popular. Ambos são muito muito bons, mas são filmes com propostas bem diferentes, Eduardo e Mônica se baseia mais na letra da música, Evidências do Amor usa a música apenas como pano de fundo.

Dirigido por Pedro Antônio (que já dirigiu outras comédias que heu, por preconceito, escolhi não ver), Evidências do Amor traz uma história engraçada e emocionante sobre um casal que se conheceu cantando Evidências num karaokê, mas se separaram às vésperas do casamento. Um ano depois, toda vez que ele ouve a música, ele tem um apagão e é levado para uma lembrança ruim do relacionamento.

A edição é muito boa. Heu vi no relógio: a introdução do filme tem 11 minutos, e nesses 11 minutos conta um resumo de toda a história do casal, desde o momento que se conheceram até a traumática separação, e ainda tem várias versões da música Evidências ao fundo. E aproveito pra elogiar a edição musical: são muitas versões da música, e todas soam bem no filme!

O elenco está bem. Fabio Porchat é um cara muito engraçado, às vezes ele exagera um pouco, mas aqui os exageros dele cabem no personagem. Já a Sandy não é engraçada, e às vezes me parecia que o casal não tinha muita química, não sei o quanto disso é porque a gente tem uma certa dificuldade em separá-la do seu passado – não tem como vê-la em tela e não lembrar de “Sandy & Jr”. Mesmo assim, funciona pro que o filme pede. No elenco secundário, preciso citar a Evelyn Castro, que protagoniza algumas cenas hilárias ao lado do Fábio Porchat (apesar de até agora heu não ter entendido muito bem a amizade dela com o personagem do Fábio, se ela é a zeladora do prédio, se é a síndica, se é a dona, sei lá).

Evidências do Amor não é um grande filme, não vai ganhar prêmios. Mas, na minha humilde opinião, é o que o cinema nacional precisa: filme de gênero de qualidade. Porque, assim como aconteceu ano passado com O Sequestro do Voo 375, o espectador que entrar num multiplex no fim de semana para ver o filme, vai sair feliz e satisfeito com o que viu. Viva o cinema nacional de gênero!