Crítica – Assassinos da Lua das Flores
Sinopse (imdb): Na virada do século XX, o petróleo tornou a nação Osage a mais rica do mundo do dia para a noite. Tanta riqueza atraiu intrusos brancos, que manipularam, extorquiram e roubaram o dinheiro do povo Osage antes de assassinar a população.
Lembro que uns anos atrás a gente fez um episódio do Podcrastinadores que o tema era “Que filmão, hein?”, onde comentamos filmes que são grandes produções, de grandes diretores, com grandes elencos. Assassinos da Lua das Flores podia facilmente entrar numa lista dessas. Todo fã de cinema deveria agradecer ao fato de pessoas como Martin Scorsese existirem e continuarem trabalhando. O cara vai fazer 82 anos no mês que vem, e ele continua sendo um dos melhores diretores em atividade em Hollywood. E, mais uma vez, ele entrega um filme memorável.
Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon, no original) traz uma história que heu não conhecia: o massacre dos índios Osage, que tinham um território enorme dentro de onde são os Estados Unidos hoje, e quando o homem branco europeu chegou eles foram sendo acuados e perderam grande parte das suas terras. Acabou que eles ficaram com um território bem pequeno, mas descobriram petróleo. Ou seja, os índios Osage passaram a ser ricos – mais ricos que os brancos. E era uma época há 100 anos atrás onde os índios nem sempre eram respeitados, onde matar índio era algo relativamente normal. Então homens brancos começaram a casar com mulheres índias para herdar as terras com petróleo. Tem uma cena curta no filme que me marcou muito: um cara conversando com um juiz (acho que era um juiz, não tenho certeza), ele pergunta “Tem duas crianças Osage que são órfãs, herdeiros de uma terra com petróleo. Se eu adotar essas crianças e elas morrerem, a terra fica para mim?” E aí o juiz fala para ele “Mas, você está pensando em matar as crianças?” E o cara responde, friamente, “Eu só estou perguntando se a terra fica para mim se eles morrerem.”
Outra coisa que heu não sabia: o primeiro grande caso do FBI foi a investigação sobre os assassinatos dos Osage. Na época eles ainda eram só o “Bureau of Investigation”, ainda não tinha o “Federal” – isso está no filme.
Scorsese pegou essa pungente história e fez um “filmão”, com uma fotografia deslumbrante, uma reconstituição de época e figurinos perfeitos e uma trilha sonora contida mas usada no ponto exato. Sim, Assassinos da Lua das Flores talvez seja um pouco longo demais (mais tarde volto a esse tópico), mas é um filmaço, que deve ser visto, preferencialmente nos cinemas.
Normalmente comento o elenco no fim dos meus textos, mas hoje quero abrir com o elenco. Todos estão ótimos, mas temos que dar destaque aos três principais nomes: Robert De Niro, Leonardo DiCaprio e Lily Gladstone – que certamente estarão nas indicações ao Oscar ano que vem.
(Tem gente por aí dizendo que é a primeira vez que De Niro e Dicaprio trabalham juntos, mas não é. Eles trabalharam juntos em Despertar de Um Homem em 1993 e As Filhas de Marvin em 1996. Mais: Scorsese dirigiu um curta em 2015 chamado The Audition, com De Niro, DiCaprio e Brad Pitt!)
O principal é DiCaprio, mas vou começar falando do Robert De Niro. Lembro que em maio deste ano vi um filme novo dele, Meu Pai É um Perigo, um filme muito bobo, onde dá pena de ver um cara do porte do De Niro. Vou copiar aqui um trecho do que escrevi: “E aqui vou deixar a triste constatação de que Robert De Niro ficou devendo. Olha, sou fã do cara, se heu for fazer uma lista de 100 melhores filmes da minha vida, ele estará em vários, tipo Era uma Vez na América, Coração Satânico, Os Intocáveis, Jackie Brown, Brazil o Filme… Mas, de um tempo pra cá, ele virou uma caricatura de si mesmo. E pior do que ver Robert De Niro fazendo uma caricatura de si mesmo é vê-lo servindo de escada para um comediante ruim. Triste fim de carreira pra um grande ator com dois Oscar no currículo (O Poderoso Chefão 2 e Touro Indomável)“. E, como fã antigo do De Niro, como fico feliz de dizer que ele está longe do “fim de carreira”! Que atuação fenomenal!
E chegamos ao DiCaprio, um dos melhores atores da sua geração, que tinha sido ignorado pelo Oscar em vários papéis marcantes, até merecidamente ganhar a estatueta por O Regresso. E DiCaprio está mais uma vez sensacional com seu personagem aqui, Ernest Burkhart, um cara meio bronco, que segue o que mandam, que a princípio casa por obrigação, mas mostra que realmente gosta dela.
Também preciso falar de Lily Gladstone. Heu nunca tinha visto nenhum filme com ela (ela estava em First Cow, filme que já me recomendaram, mas ainda não consegui ver). Lily tem uma atuação contida, poucas palavras, quase tudo no olhar. E que atuação! Não sei se ela leva o Oscar, porque Margot Robbie também está sensacional, mas uma indicação certamente vem aí.
Queria fazer um outro comentário sobre o elenco. Dois grandes nomes, John Lithgow e Brendan Fraser, só entram no filme depois de quase três horas de projeção! Imagina a moral do Scorsese: chama o cara que acabou de ganhar o Oscar de melhor ator e só usa o cara no fim do filme!
A edição é muito boa. Pensa num filme de quase três horas e meia que não tem nenhum momento que você pensa em pegar o celular pra dar uma olhada no zap. Dito isso, acho que foi muito longo. Talvez desse pra cortar meia hora e fazer um filme longo de quase três horas. Mas… Assassinos da Lua das Flores cansa menos que Oppenheimer, que tem vinte e seis minutos a menos.
Sem spoilers, mas o final do filme é diferente de tudo o que heu poderia imaginar. Filmes históricos neste estilo costumam terminar com um texto explicando o que aconteceu. Sim, tem um texto. Mas apresentado em um formato surpreendente.
Sim, heu sei que Assassinos da Lua das Flores vai chegar em breve ao streaming. Mas recomendo fortemente a ida ao cinema. Um filme desses merece ser visto numa tela grande. Em casa, seja na tv ou no computador, dificilmente o espectador vai conseguir ficar três horas e meia focado no filme.